segunda-feira, 30 de abril de 2012

Egito cancela o fornecimento de gás para Israel


O povo egípcio está lutando para recuperar a própria soberania. Segundo pesquisa recentemente divulgada, os egípcios entendem que sua soberania foi cedida parcialmente a Israel, por dois ditadores pós-Nasser: Anwar Sadat e Hosni Mubarak, a serviço dos governos dos EUA, de Nixon a Obama.

Acabar com três arranjos humilhantes para os egípcios – o esquema de fornecer gás barato a Israel, os acordos de Camp David de 1979 e o reconhecimento de Israel, a que os EUA obrigaram o Egito – é entendido como objetivo estratégico de segurança nacional para a maioria dos 82 milhões de cidadãos egípcios.

Segundo resultados de pesquisa de opinião realizada pela rede Press TV e divulgada dia 3/10/2011, 73% dos egípcios entrevistados opunham-se àqueles arranjos e acordos. Hoje, se estima que essa porcentagem já alcance os 90%.

Nos últimos oito anos, o arranjo do gás, de 2004, jamais teve o apoio da população egípcia. Uma das acusações que pesam hoje contra Mubarak é que o presidente deposto vendeu a preço vil o gás egípcio, como parte de um acordo ‘entre amigos’, que envolveu familiares do ditador e autoridades israelenses.

Mohamed Shoeib, presidente da empresa estatal de gás Egyptian Natural Gas Holding Company disse em entrevista à AFP, semana passada, que o acordo do gás foi “anulado com a empresa israelense Israeli East Mediterranean Gas Co. (EMG), porque a empresa não respeitou cláusulas contratuais."

Depois que Mubarak foi derrubado, e as 14 agências de polícias secreta de seu governo começaram a perder o poder de onipresença, o gasoduto que leva gás para Israel foi atacado 14 vezes em 12 meses, numa série de explosões que já haviam reduzido em 40% o fornecimento de gás que Israel usa para gerar eletricidade.

Na campanha eleitoral para as recentes eleições parlamentares, e atualmente, na campanha eleitoral para as eleições presidenciais, os egípcios têm discutido as relações com Israel, pela primeira vez publicamente. Mubarak sempre foi protetor de Israel e, como outros líderes árabes que ainda se agarram ao poder, sempre ignorou os desejos populares, para que o país apoiasse ativamente a luta pela libertação dos palestinos e da Palestina ocupada.

No final de janeiro de 2011, em visita que fiz à Universidade de Alexandria, conversei com alunos egípcios, americanos e europeus, todos nós sentados nos bancos à frente da magnífica Grande Biblioteca da cidade. Um daqueles alunos explicou, relembrando as manifestações da Praça Tahrir, dia 25/1/2911:

“Nossos slogans na Praça Tahrir eram pão, liberdade, dignidade e justiça social. Faz quase exatamente um ano. Se Deus quiser, logo alcançaremos as demandas de nossa revolução histórica, que incluíam o fim de Camp David e o cancelamento do reconhecimento do regime sionista que continua a ocupar a Palestina. Cabe ao Egito liderar a nação árabe, e cumprir a obrigação sagrada de libertar Jerusalém e todos os palestinos, do rio até o mar.”

Uma linda estudante, coberta com o hijab, também ofereceu sua opinião: “Os EUA compraram nossos líderes com bilhões de dólares roubados de nosso povo, mas que nunca foram usados para melhorar a nossa vida ou nos trouxeram qualquer benefício. Camp David foi essencialmente um acordo privado assinado por Sadat e depois por Mubarak. O povo não foi ouvido e jamais nos perguntaram se concordávamos. Os que protestaram foram presos, e até muito pior. Agora, o povo egípcio está ganhando poder, apesar do que parece ser um golpe da junta militar do Conselho Superior das Forças Armadas, antes das eleições marcadas para junho.”

Autoridades israelenses, mancomunadas com o lobby sionista nos EUA, dizem que o cancelamento do arranjo do gás seria “ameaça existencial”. Segundo pesquisador do Serviço de Pesquisas do Congresso dos EUA, no edifício Madison em Capitol Hill, cujo trabalho é historiar as reclamações oficiais de Israel, essa é a 29ª “ameaça existencial” que a colônia sionista registra, em 64 anos de história.

As tais “ameaças existenciais” vão desde o reconhecimento internacional do Direito de Retorno para os palestinos expulsos no processo de limpeza étnica durante a, e a partir da, Nakba de 1948, passando por inúmeros grupos palestinos, e mais de duas dúzias de Resoluções da ONU, entre as quais as Resoluções n. 194 e 242, até o Hezbollah, evidentemente; incluem também todos os movimentos internacionais de solidariedade aos palestinos; um ou dois intelectuais judeus não sionistas; o Irã, também evidentemente; a expansão da internet; e potencialmente todos os cristãos, árabes e muçulmanos do planeta, para nem falar do proclamado crescimento de um antissionismo global, já desclassificado, pelo lobby sionista nos EUA, como sempre, como mais uma modalidade de antissemitismo.

Apesar de todas essas ditas “ameaças existenciais” que, recentemente, passaram a incluir também o chamado “Mapa do Caminho”, os líderes israelenses continuam a boicotar qualquer possibilidade de negociação consequente que possa levar à convivência pacífica de árabes e judeus na Palestina, num único estado democrático e secular, onde cada cidadão valha um voto, e sem qualquer privilégio ensandecido para algum autodeclarado “povo escolhido”.

Yuval Steinitz, ministro das finanças de Israel disse que o Egito questionar suas relações com Israel seria “um perigoso precedente que ameaça os acordos de paz entre Israel e o Egito.”

Ampal, a empresa israelense que compra o gás, declarou que considera o cancelamento do contrato “ato ilegal e de má fé”; e exigiu que fosse imediatamente e plenamente restaurado. A Ampal planeja usar os mecanismos de arbitragem internacional para tentar a restauração do contrato; e já enviou delegação de empresários a Washington para reunião com o AIPAC e funcionários do governo dos EUA, para conseguir que imponham aos egípcios a anulação do ato que cancelou o contrato e os forcem a continuar a fornecer gás a Israel a preços abaixo dos preços de mercado. Funcionário do Congresso escreveu, em e-mail, com ironia, que é mais fácil as empresas israelenses fazerem os congressistas trabalharem a favor delas, que as empresas norte-americanas e, até, que os eleitores que elegem os congressistas.

Semana passada, Israel Hayom, analista político israelense escreveu: “A triste conclusão do colapso do acordo do gás com o Egito é que estamos voltando aos dias de antes do acordo de paz com o Egito, e o horizonte não parece, de modo algum, rosado. Camp David corre risco mortal. A dolorosa conclusão, mais uma vez, é que não temos amigos genuínos na região. Não, com certeza, com vistas ao longo prazo.”

Abe Foxman, da ADL, lamentou: “Israel deu muito ao Egito em troca do acordo de paz de Camp David, muito mais do que deveria ter dado. Dentre outras coisas, uma área de livre comércio, na qual nós praticamente forçamos a criação de oficinas de costura e de uma indústria têxtil egípcia para que pudessem exportar facilmente algodão barato e outros bens para os EUA e para Israel. Tornamos os egípcios um povo respeitável aos olhos do público norte-americano. E eles retribuem assim o muito que nos devem?”

O AIPAC, que jamais demora a reagir nesses casos, já está fazendo circular um projeto de resolução, essa semana, entre seus principais operadores no Congresso, para fazer com que o Congresso dos EUA condene oficialmente o cancelamento do contrato de fornecimento de gás, e exigindo a imediata renovação, sob a ameaça de os EUA suspenderem qualquer ajuda ao Egito. O lobbytambém há começou a pressionar o governo Obama, com ameaças de corte nas doações de dinheiro dos judeus para a campanha eleitoral do presidente, no caso de os EUA nada fazerem para obrigar o Egito a “cair na realidade”, nas palavras do ultra sionista Howard Berman, influente deputado Democrata da Comissão de Assuntos Internacionais da Câmara de Deputados.

A realidade política é que diplomatas dos EUA, o AIPAC e autoridades israelenses, muitas vezes difíceis de distinguir uns dos outros, vêm fazendo o possível para encontrar um meio de reparar as relações entre Egito e Israel, desde as manifestações da primavera passada na Praça Tahrir. Todos temem, por boas razões, que os acordos de Camp David e a embaixada de Israel no Cairo sejam os próximos a ter a cabeça no cepo, à medida que o povo egípcio vai-se tornando senhor do próprio destino.

Sobre o já esperado fechamento da embaixada de Israel no Cairo, segundo o jornal Yedioth Ahronoth:

“O que temos hoje é uma lenta deterioração de relações: israelenses já não podem por o pé no Egito, e o consulado egípcio em Telavive não tem autorização para emitir vistos de entrada. Quem insista em ir ao Egito, saindo de Israel, mesmo que tenha passaporte estrangeiro, deve preparar-se para enfrentar problemas. Pode ter seu nome incluído na lista de ‘espiões’ e de ‘agentes do Mossad’. Não nos querem lá. É simples assim. E o Egito tornou-se muito perigoso, hoje, para os israelenses.”

Segundo o porta-voz de Netanyahu, Mark Regev,“Ninguém quer alugar um prédio para a embaixada de Israel no Cairo, para abrigar a pequena equipe chefiada pelo embaixador Yaakov Amitai. Por questões de segurança, já reduzimos muito a semana de trabalho lá. A equipe chega 2a-feira à tarde e parte na 5a-feira pela manhã. A cada viagem, vão para endereço diferente (alugado sempre a preços exorbitantes), negociado por agentes locais de segurança. No que tenha a ver com os egípcios, os diplomatas israelenses melhor fariam se ficassem em Jerusalém até a eleição do próximo presidente; depois, veremos o que acontece.”

Tradução: Vila Vudu